
Impiedosos são os pensamentos durante a interminável solidão. A inquietude do silêncio. A brancura do nada. Os detalhes escondidos no cotidiano. O tic-tac... os vincos das rachaduras, as manchas na pintura velha da fria sala mal iluminada. Quanta lasciva, quanto pecado em querer...
Ela parecia decorar cada defeito da sala gelada. Os cantos encardidos, azulejos mal lavados, pintura descascada por uma infiltração esquecida. Enquanto esperava, mordia as bochechas e os lábios, apertava-os contra os dentes e tirava o esmalte com as unhas dos polegares. Apesar de tudo, seus gestos eram impressionantemente despreocupados.
Fora da sala ouvem-se passos apressados e discursos confusos, muitos cochichos abafados. Um apinhar de curiosos e jornalistas disputam o melhor espaço em frente ao prédio da polícia. O som dos flash’s parece um cavalgar de gafanhotos.
A notícia se espalhara como uma grande nuvem negra. Algo que seria quase inacreditável... inaceitável. Vozes sussurradas a condenavam enquanto a noite avançava gelada pelos corredores. Tudo lhe parecia estranho, menos o gosto de sangue em sua língua... (continua)